quinta-feira, 30 de junho de 2011

Lição de estrada (ou Devaneio)

A vida era exatamente como eu via através do pára-brisas ontem à noite. Uma estrada, só meio movimentada. Carros me ultrapassando ou passando por mim na direção oposta. De alguns, eu pouco percebia. De outros, o sinal de luz alta chamavam minha atenção. Mas, de qualquer forma, dois quilômetros à frente, eu já não lembrava. E isso importa?
Aqui e ali, um pouco de chuva me cegando, e até dando uma angústia estranhamente familiar. Não que eu não goste de chuva. Acho linda. É que tenho essa reação recorrente quando chove. Chuva por fora sempre me leva a chover por dentro. E só cabe a mim ligar o limpador de pára-brisas ou não. Cada um que cuide da chuva que cai sobre si.
Era só eu ali. Nada humano por perto. Só eu. Naquela estrada limitada, fria, escura, exceto por um ou outro par de faróis que não se importavam se eu estava com a visão embaçada pela chuva, ou se eu estava bem. Eu também não me importaria.
Ninguém fica curioso se vê um carro parado no acostamento com um solitário do lado de fora chorando. Provavelmente com a alma esmagada, e por quantos motivos poderia ser! Sabe quando a gente fica curioso e às vezes até pára o carro no acostamento pra dar uma olhada? Quando a gente vê que houve um acidente, que pode ter sido fatal, que tem uma ambulância perto. Aí sim nós olhamos, curiosos. Dizem que é uma forma de ser solidário. Na verdade só pensamos: ainda bem que não fui eu. E a desgraça é sempre convidativa aos olhos, desde que não seja nossa. Um brinde ao egoísmo.

É que eu sei pra onde to indo. E sei que não vou chegar lá com esse egoísmo. Mas cedo ou tarde, preciso chegar. Às vezes, fico pensando quantas vidas eu gastaria pra me consertar. Mas não é tão simples assim. A gente tem que se virar só em uma. E uma vida é muito pouco tempo.

2 comentários:

Mima disse...

E a gente nunca sabe quão pouco tempo o pouco tempo que temos vai durar.

Chuva é um convite a chover. Mas também é um convite a beber água que cai do Céu, se é que me entende.

(As pequenas gotas nos ensinam um caminho simples e eterno para nos 'consertarmos': que não o podemos fazer. Enquanto choramos, cai do Céu água, que nos limpa, nos sacia e faz por nós o que sozinhos não podemos).

=*

Lia Araújo disse...

"Às vezes eu até pego uma estrada
E a cada belo horizonte eu diviso o seu rosto" ( Às vezes, Tulipa Ruiz)

Me lembrou essa música!

bjo.